30 de dezembro de 2012

Mentir pode ser sinal de inteligência? Um convite à reflexão.

Por diversas vezes em que estive diante de situações nas quais mentir me traria, em um primeiro momento, grandes vantagens, fui incentivada por amigos, familiares e conhecidos, a utilizar deste artifício (a mentira). E imagino que você também. 

Mas a última vez, em particular, que isso me aconteceu, me chamou um pouco mais a atenção: uma pessoa - por quem, aliás, tenho grande admiração - numa intenção que parecia mesmo sincera de me ajudar, disse-me que, em dados momentos, uma "pequena mentirinha" faz bem, para se "evitar problemas". Naquela situação, em especial, significaria eu dar qualquer outra desculpa para o fato de estar evitando uma pessoa da minha família, que não implicasse em encará-la e dizer a verdade para ela. Isso, provavelmente, ocasionaria um desconforto e uma discussão.

O fato é que o argumento que esta pessoa utilizou era, de certa forma, inteligente e realmente me deixou pensativa: ela disse que tinha visto um estudo, feito com crianças que, colocadas em uma sala de espelhos (ou seja, observadas, sem saber, por pessoas que estavam do lado de fora), recebiam a ordem para, quando fossem deixadas sozinhas no ambiente, não olhassem o que tinha sido colocado atrás delas. Assim, havia 3 grupos de crianças: 1) as que olharam para trás e, quando questionadas, mentiam, dizendo que não tinham olhado; 2) as que não olharam para trás; e 3) as que olharam e confessaram que tinham descumprido a ordem. 

Assim, este estudo teria concluído que as crianças do primeiro grupo (que mentiram) tinham uma "inteligência emocional" maior do que as demais, uma vez que o ato de olhar para trás seria sinal de um instinto natural de sobrevivência, na hipótese de que o material desconhecido pudesse significar algo que as colocasse em risco. 

Pois bem... eu, que sempre tive enraizada em mim, a certeza de que a mentira tem perna curta e não convém em situação alguma, confesso que fiquei deveras intrigada e passei a ficar em dúvida. Naquele momento, não respondi nada e fui para casa me questionando: "Será que ela não tem uma parcela de razão? Será que uma mentirinha, às vezes, não facilitaria, mesmo, as coisas pra mim e para os outros? Será que eu não estou sendo muito rígida ao sempre me policiar para falar a verdade (ainda que observando a necessidade, o momento e a maneira certa de dizê-la)?" E a dúvida que mais me incomodava: "Será que eu não estou sendo inteligente ao proceder assim??? Afinal, quem sou eu para ir contra o que foi comprovado por um estudo?" 

Essas perguntas me inquietaram por alguns dias. E então, eu pensei: Ora... quem sou eu? Um ser humano dotado de cérebro, de racionalidade e com uma certa dose de experiências de vida que me dizem que este estudo é limitado e que a conclusão tirada com base nele é falha.

Em primeiro lugar, o estudo se refere a crianças, ou seja, a seres humanos que, devido ao estágio de desenvolvimento no qual se encontram, são mais primitivos, impulsivos, individualistas e inexperientes. Crianças reagem mais espontaneamente aos estímulos, ainda possuem pouco domínio próprio (físico e emocional), noção limitada das consequências de seus atos e estão em fase de testar/experimentar o mundo e a realidade, de conhecer as coisas. E é natural que assim seja, isso é inerente e saudável ao seu desenvolvimento, desde que preservados os devidos limites!

No entanto, com base nisso, afirmar que uma pessoa adulta mentir (ainda que seja uma "mentirinha") seja indicativo de inteligência, definitivamente, não é uma conclusão sensata!

Vejamos que, embora na infância essa conduta possa ser "aceitável" (talvez - apenas talvez - inclusive, um bom sinal), é esperado que, ao longo tempo - nos próximos estágios de desenvolvimento - a criança passe a internalizar os limites da realidade: que tome consciência de que vive em grupo (socialização), reflita antes de (re)agir, devido à percepção de que suas atitudes exercem consequências sobre si mesma e sobre outras pessoas. É esperado que ela passe a ter mais empatia, sendo mais solidária às necessidades alheias e não colocando sempre a sua vontade acima de tudo - afinal de contas, não é assim que a música toca.

A realidade é que, pelo mesmo instinto de preservação/proteção/sobrevivência (para seguir a mesma lógica da argumentação), pessoas precisam sentir confiança nas outras pessoas que as cercam. Caso contrário, podem ser feridas, traídas/enganadas - o que significa ameaça ao instinto de preservação/sobrevivência. Portanto, pelo menos dentro do padrão de "normalidade" (do saudável), é esperado que, diante de tais ameaças, as pessoas se afastem.

Logo, por mais que o estudo possa ter sua parcela de verdade, foi aplicado com crianças e suas conclusões se referem apenas a esta população. Assim, se você é adulto, este estudo não serve para você - portanto, aja como adulto!

E uma brecha importante que o estudo deixou foi o de considerar que as outras crianças podem ter sido ainda mais inteligentes ao dizer a verdade, uma vez que podem ter tido a percepção (mais evoluída do que a esperada para sua idade) de que isso lhes custaria a credibilidade frente a outras pessoas.

Quando me dei conta disso, respirei aliviada e, confesso, agradeci a Deus por eu ser "teimosa", pois, por pouco (bem pouco) não me deixei convencer pelo argumento da "mentirinha boa". Claro que não estamos falando daquela brincadeirinha que você faz pra "zoar" com o amigo e, pouco depois, desmente, e muito menos do passeio ou desculpa que você inventa pra distrair seu/sua namorado(a), enquanto os amigos preparam uma festa surpresa no seu aniversário! Bom-humor é essencial à vida e, nestes casos, você não está com o interesse de se safar de alguma mancada que deu, de enganar alguém visando o próprio benefício, às custas do prejuízo do outro. Definitivamente, ninguém vai duvidar do seu caráter por isso!

Estamos falando da mentira egoísta, covarde e comodista - ou seja, a maioria delas. Aquela que se comete pensando somente em si, prejudicando outras pessoas e/ou temendo enfrentar as consequências de seus atos! Essa, meu amigo, não lhe aconselho, em hipótese alguma. Aliás, digo  ainda mais: CORRA dela, pois é uma cobra traiçoeira!

Esse tipo de mentira é como uma droga, da qual você começa experimentando uma pequena dose. No início, poderá, aparentemente, te "livrar" de um problema, te ajudar a fugir dele. Então, você experimenta mais um pouco, porque pensa que "não dá nada". Você até gosta do primeiro efeito, da sensação de risco e, quase sem perceber, começa a consumi-la com frequência e em doses cada vez maiores. Porém, quando "acorda", no fundo, sabe que nada está resolvido! Seu peito aperta, sua consciência pesa, mas fica difícil parar. Até que se dá conta de que já não consegue controlar o impulso, de que ela se tornou um hábito, que você está dependente. Logo à frente, vai se deparar com os problemas que não enfrentou lá atrás e perceber que eles foram apenas jogados pra frente e se tornaram uma "bola de neve", ficando bem maiores - e, algumas vezes, com consequências irreversíveis. Vai se dar conta de que essa droga, a mentira, te afastou dos teus amigos  e das pessoas que te amam. E aí, quando menos esperar, perceberá que você é quem foi consumido por ela!

Mentir, para uma pessoa adulta, não é sinal de esperteza e, muito menos, de inteligência! É uma forma de se acovardar perante os fatos, de não se responsabilizar por seus atos, de permitir que os problemas se tornem maiores, em vez de buscar solucioná-los, de enganar a si mesmo e ao mundo que, consequentemente, lhe dará as costas!

Por isso, tenha como princípio manter-se íntegro e honesto! Não ponha seu caráter sob suspeita, tanto mais se for por um motivo banal, um problema que pode ser solucionado com diálogo. Se você errou, por maior que tenha sido seu erro, prefira ser sincero e confessar, pois, acima de tudo, isso irá demonstrar às pessoas que a confiança que depositaram em você valeu a pena - e, a menos que você não queira acabar sozinho na vida, meu amigo, tenha isso como uma das maiores riquezas da vida! 

E, sim, isso também vale para o ambiente profissional! Ninguém está livre de inventar um “diga que não estou” e ser pego no flagra, dar uma desculpa e perder a confiança de um cliente, colega ou chefe. Você pode ter a melhor qualificação técnica no currículo, mas, se não se relacionar bem e não inspirar confiança, esteja certo de que não vai parar em empresa alguma! E confiança é delicada como cristal: depois que quebra... bem, você sabe! 
Se você for realmente esperto, vai perceber que, falando a verdade, ainda tem uma boa chance de ser valorizado por sua integridade, enquanto que, se mentir e for descoberto, a possibilidade de perder a credibilidade e ser demitido é incomparavelmente maior!

Portanto, que a integridade seja o seu diferencial e a honestidade a sua marca registrada!

Inteligência é perceber que, por mais que a verdade possa ter um gosto amargo, ela liberta e cura; enquanto a mentira, por mais doce que pareça , prejudica, aprisiona e envenena. É observar, como li certa vez, que "basta uma mentira para colocar todas as suas verdades em dúvida". E entender, como muito bem disse Chaplin, que "a verdade pode machucar, mas é sempre mais digna."

(N. Laux)