1 de abril de 2010

A criança que eu não fui!




"Não temo a velhice...o que temo é, um dia, deixar morrer a criança que há em mim!" (Natalie Laux)

"Estranho, para mim, é alguém esperar ser verdadeiramente amado, sem passar para os outros a imagem daquilo que verdadeiramente é". (Natalie Laux)

* Frases publicadas na postagem "Frases de minha autoria", do mês de janeiro, aqui do blog.

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"A criança que eu não fui aflora agora, após quase meio século de vida.
Eu acreditei que pudesse abafá-la para todo o sempre e nunca levei a sério todos os seus veementes apelos para ressurgir e manifestar-se.Ocorre que ultimamente ando esbarrando nela a todo instante, do jeitinho que a deixei há quarenta e tantos anos atrás: extremamente tímida, sobressaltada, sem defesas para um mundo que lhe parecia por demais hostil e complicado.
De família numerosa, assoberbados pais não tinham tempo para entender a minha interna tragédia, tampouco para resgatarem-me dos dramas que a minha criança resolveu sozinha e resolveu completamente errado. Incorporei todos os rótulos que me deram nas minhas primeiras tentativas de convivência entre os humanos: desajeitada, limitada, mela-festa, esquisita. Então, a minha criança entendeu que para merecer fazer parte da vida e receber um mínimo de carinho e aceitação, era preciso fazer coisas heróicas e grandiosas: em cima desta idéia pautei toda a minha existência.
Tenho que dar um salto aqui- não interessa narrar os meus grandiosos e heróicos feitos- mas preciso ressaltar sim, os desumanos sacrifícios despendidos nesta empreitada e para onde eles me levaram: depressões profundas e síndrome do pânico cujas sequelas ainda hoje se fazem sentir.
Às vezes me pergunto por que o 'supremo' não intercedeu por mim naquela época, mandando-me uma angélica criatura para lembrar-me que nada daquilo era preciso e que a despeito das minhas esquisitices, eu era merecedora de amor respeito e aceitação?
Esta narrativa fica pela metade, pois só agora começo a dar-me conta do tamanho e da gravidade do equívoco. Só agora estou disposta a romper a muralha de aço entre o meu eu adulto(e mal resolvido) e aquela criança que não me permiti ser e que agora explode à minha revelia, não aceitando mais o porão escuro onde a trancafiei por tantos anos.
Espero que haja tempo para resgatá-la e deixá-la ser feliz pela primeira vez na vida, sem que nada ela tenha que fazer de sobre-humano, de heróico ou grandioso, de notório ou relevante.
Perdoa-me, minha criança! Eu joguei duro demais com você, por ignorância.
Liberto-a agora! Esteja feliz! Esteja em paz!" (IOLANDA ALVES)


Me emocionei ao ler este depoimento de uma amiga. Logo corri e pedi autorização para publicá-lo no blog. Por que? Porque ele retrata a (triste) realidade de muitas pessoas. Bom, a verdade mesmo é que existe uma grande MAIORIA de pessoas que se despede desta vida sem sequer ter pensado a respeito. Sem sequer ter SE pensado!

Você já parou para se perguntar o que pode existir de real por detrás das nossas (melhores ou piores) motivações? Esta pergunta não é válida apenas para aqueles que tentaram sufocar a criança que sempre existiu dentro de si, mas para todos. Muitas vezes, tal como a dona Iolanda percebeu, está o fato de os que nos cercaram não puderam aceitar a nossa genuína e autêntica criança, ou pelo medo que ela mesma tinha de ser fatalmente ferida. Isso se chama DEFESA. Estruturamos nossa personalidade com elas e crescemos escondidos por detrás delas (mais pra frente, pretendo abordá-las, mas, hoje, especificamente, demos maior ênfase na importante "criança que eu não fui").


Ela está lá. Nunca deixou de existir. Está lá e, o que é pior, muitas vezes chorando, pedindo para ser vista e amada na sua simplicidade. Sim, ela é simples e feliz na simplicidade das coisas.
Que troca é essa que fazemos para sermos melhor "aceitos" pelo mundo? Onde foi que aprendemos que maturidade é sufocar a criança que há em nós, ou, em outras palavras, A NOSSA MAIS AUTÊNTICA E GENUÍNA FACE? Ahh, essa mania de querer agradar a todos (assunto que abordei na 1° postagem deste blog). Isso vicia! E, como todo vício, passa dos limites, e, portanto, prejudica - muitas vezes surtindo efeitos e sequelas, aliás, bem mais graves do que de substâncias químicas, pois é um vício psicológico e que quase mata o nosso EU! Digo QUASE porque ele tem uma força titânica e permanece VIVO, mesmo que seja apertado e espremido por todos os cantos.

E esse vício ocorre em cadeia: alguém aprendeu assim, reprimiu a sua criança, e, consequentemente, passou a julgar e "rir" de todos aqueles que não faziam o mesmo. E aqui chegamos, hoje, muitos de nós. "Aquilo que julgas é o que reprimes". Desconheço o autor desta frase, mas, embora seja difícil de admitir, é uma tremenda verdade!

Brincar...deixar a imaginação fluir...descobrir caretas nas nuvens, correr de pés descalços na chuva, andar na roda gigante, ouvir uma música que gosta e dançar até perder o fôlego, sem precisar estar num ambiente socialmente "preparado" para isso. CHORAR quando está aborrecido, mesmo que não faça o menor sentido para os outros. SILENCIAR (coisa desconfortante para os adultos de hoje) quando estiver afim...É possível que não tenha sido essa criança que você tentou (ou tenta) sufocar, mas a minha, foi. Até o dia em que consegui desfazer a confusão entre o conceito de ser CRIANÇA e ser INFANTIL!


E agora, dando,então, o MEU depoimento, compartilho que, na minha adolescência, eu tentei me adequar a padrões, tentei dar mais importância à roupa que eu vestia e a sorrir falso para parecer "sociável", dando mais ênfase no TER e PARECER do que SER. Cheguei a começar a armar sorrisos diante de coisas fúteis e que sabia que eram erradas.
Lembro de algumas vezes em que fui "verificar" como eram as boates (já que "todo mundo" na minha idade ia) e algo estranho acontecia: sempre que chegava em casa, eu chorava de tristeza pelo que via e, ao mesmo tempo em que sentia uma certa "solidão" por não conseguir me adaptar, sentia um imenso orgulho disso e sabia que não queria aquilo pra mim. Percebi que a minha criança, diante de tudo, heroicamente se revoltou e se impôs, quando, em lugares semelhantes a esses, tentaram-na ensinar a melhor maneira de caminhar para agradar os garotinhos, a colocar uma roupa sensual, provocativa e sair caminhando sem rumo, pelo simples prazer de exibir o meu corpo e, ainda por cima, demonstrar ficar "ofendida" para os que "mexiam" comigo. Ahh, quanta pobreza e falsidade... durou pouco!
Sim, a minha criança foi quem, ironicamente, não admitiu: como aquilo a irritava...ela repetia nos meus ouvidos: quanta traição a si mesma! Então eu entendi que ISSO, PARA ELA, É O QUE SIGNIFICA AGIR COM INFANTILIDADE! Eu me sentia suja, desleal com ela, que sempre se demonstrara tão fiel, e vi que, embora eu tivesse tentado impedir o seu crescimento, ela tinha forças próprias, continuava viva, observadora e muito mais esperta e sábia do que eu imaginava.

Até o dia em que o esforço foi tamanho que, chegando em casa, sentei,olhei para a parede,e as lágrimas, aos poucos, começaram a correr e, em segundos, eu chorava compulsivamente...claro que não foram os amigos - que eu acreditava ter - que vieram demonstrar compaixão, mas, sim, minha MÃE que, ao me ver, me abraçou e chorou comigo, MESMO SEM SABER A RAZÃO! Mãe...essa, sim, não tem explicação! Muitas vezes a gente briga, reclama... mas ABENÇOADO de quem tem uma mãe (e/ou um pai, ou quaisquer que exerçam essa função) que demonstra amor INCONDICIONAL! Porque é a figura dessa pessoa que, mais tarde, vai fazer com que a gente lembre que não precisa se adequar a estereótipos para ser aceito e feliz COISA NENHUMA! Porém, mesmo quem não tem essa pessoa na família, pode encontrá-la em outras que cruzem o nosso caminho e nos dêem uns "tapinhas na cara" para acordar - a "criatura angelical" da qual a dona Iolanda falava!

Eu tive essa sorte. E, "coincidentemente", lembro que foi nessa época que eu também comecei a olhar para dentro de mim e comecei a conhecer...A DEUS! E, do lado de fora, também comecei a perceber as inúmeras tentativas dele "plantando bananeiras" para chamar a minha atenção e ouvir: "VOCÊ É MINHA FILHA E NÃO PRECISA DISSO; EU TE AMO; AME-SE TAMBÉM!" Então eu comecei a entender a razão do que estava escrito: "Ame a Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo COMO A TI MESMO!" (Lucas 10.27). Você já se deu conta de que, antes do mandamento para amar os demais, está o mandamento implícito do "AMA A TI MESMO"??? Pois é...essa descoberta quebrou correntes rígidas que estavam se construindo dentro de mim - ME LIBERTOU! "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (João 8.32)

Então, com a cara e a coragem - na verdade, tremendo de medo - eu engoli o choro, atirei tudo pra cima e dei "a cara a tapa". Quer saber o que realemente aconteceu? L-I-T-E-R-A-L-M-E-N-T-E, eu apanhei NA CARA! Do grupo das minhas "amigas" adolescentes, que cresceram comigo, dormiam na minha casa e procuravam justamente a mim quando tinham um problema para resolver. Só que eu descobri que tudo tinha uma condição: que eu fosse tal qual elas: tinha que andar na mesma marcha, compasso, ritmo, caminhar na mesma direção e sentido (mesmo que não houvesse direção e sentido algum, ou que eles levassem a um fim trágico). Imagina a cara delas quando eu comecei a agir conforme EU julgava melhor! Aceitar a minha criança implicaria em elas terem que admitir e aceitar que existe outra dentro delas gritando por socorro e que, na verdade, precisavam, também, mudar, para salvá-la! E, provavelmente elas temiam não ter força para isso (e eu não as julgo por tal, pois, como eu disse, inicialmente, eu tremi de medo - mas é preciso ir além para derrotá-lo).

...Durante muitos anos foi muito difícil, para mim, falar deste episódio. Eu sentia vergonha, achava que não tinha me imposto como "deveria": ter dado uma bela de uma surra em cada uma, mais tarde! Mas "algo mais forte" segurou a minha mão e fez com que eu compreendesse que a vingança não precisava vir de mim (além do que, não me convinha): elas já estavam pagando um alto preço! E, hoje, cerca de 14 anos depois, encontro muitas que já nem se reconhecem no espelho; não sabem quem são, para que vivem; simplesmente existem. A raiva e a mágoa que eu tinha se transformaram em compaixão. E o trauma, EM GRATIDÃO A DEUS!!!

Paguei - e pago, muitas vezes - o alto preço pela minha criança! Mas, se assim não fosse, talvez eu continuaria rigidamente acorrentada na traiçoeira falta de autenticidade, até o fim da minha vida: NÃO SENDO AMADA PELO QUE HÁ DE MAIS VERDADEIRO EM MIM, NA MINHA ESSÊNCIA! Sem saber o que é ser verdadeiramente amada.

Eu recebi um grande presente da vida quando resolvi fazer as pazes com a minha criança: as pessoas do meu convívio passaram a ser pessoas que se aproximavam de mim pelo que eu realmente ERA! Conheci amigos geniais, que também tinham vencido o medo de deixar a sua criança falar mais alto! Foi um momento revelador e lindo...! Aquelas falsas amizades, aos poucos, se desfizeram e, no lugar, se construiu uma rede social de relacionamentos SÓLIDOS e duradouros!

E, hoje, eu venho te encorajar a fazer o mesmo, caso você ainda esteja se esforçando em esconder a sua criança atrás de alguma máscara. Não amá-la, é rejeitar a sua essência, e a maior traição que poderás continuar cometendo contra si mesmo. Além de perda de tempo de vida realmente vivida!

E, aqui, antes de finalizar, gostaria de salientar que eu não estou estimulando a uma desobediência a regras sociais, algumas de conduta, inclusive. Que fique claro que não! Como indivíduos inseridos no coletivo, precisamos, até certo ponto, nos ajustarmos, tomando consciência dos nossos limites - isso é saudável! Mas que isso realmente seja praticado até o ponto em que é, de fato, SAUDÁVEL! Você não precisa tentar ser IGUAL a ninguém para ser feliz. E, mesmo que quisesse, graças a Deus, isso É IMPOSSÍVEL! Deus nos fez com uma impressão digital que nenhum outro ser no mundo teve ou terá igual! E, mais do que isso, nos deu uma "impressão digital" da nossa personalidade: o conjunto completo de traços, características, que fazem do nosso caráter único!
Além disso, somente olhando para si com transparência e honestidade, poderás ver quais os pontos em que precisa melhorar, e quais as suas competências em que pode investir ainda mais (aquilo que já há de bom e melhor)!


Onde está a criança,outrora ferida, que hoje procura espaço no espelho? Você ainda é capaz de se reconhecer-se na sua essência?


P.S: Obrigada, dona Iolanda, por compartilhar de tão sublime descoberta de si mesma, nesse depoimento autêntico e revelador, que nos ajuda a repensar em tantas coisas que fazemos por acreditarmos sermos as melhores, sem percebermos que estamos empreitando um grande engano contra nós mesmos. Teu depoimento foi gatilho disparador para eu escrever sobre o que já vinha elaborando há um tempo, além de servir de testemunho para muita gente que vai lê-lo. Fiquei emocionada e feliz por você! Deus te abençoe e ajude a deixar a sua criança livre e feliz! Em tua homenagem, deixo o versículo: "Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram."(Mateus 13.17)